MARIA FERNANDA ESPINOSA
( Espanha )
Equatoriana nascida em Salamanca, Espanha em 1964.
Poetisa, cientista, faz televisão.
Caymándote (1991) e Tatuaje de selva (1992) são seus primeiros lirso. De 2OOO é Loba Triste.
Já consagrou mais de dez anos de sua vida ao estudo e aos cuidados da floresta amazônica equatoriana.
Ph D, em Geografia ambiental pela Universidade de Rutgers. Mestre em Ciências Sociais com menção em Estudos Amazônicos.
Autora de admirável ensaio intitulado Ecologia de la Liberación.
Prêmio Nacional de Poesia (1990).
A palavra poética de Maria Fernanda está impregnada de signos. Pedra encharcada.
MELLO, Thiago de. Poetas da América de canto castellano. Seleção, tradução e notas de Thiago de Mello. São Paulo: Global, 2011. 495 p. N. 02 811
Exemplar da biblioteca de Antonio Miranda
LOBA TRISTE
Guarda o luto debaixo do braço
como pão ou jornal
é a loba mais triste do mundo
tem um testamento não escrito
que conta seus legados
a sensação de musgo
as dobras do vento e seus cantos acústicos
deixa tudo
a manada desfeita
os filhos
bordeja o precipício
é loba triste
fica de luto
pelos pássaros do páramo que não estão
ou estão apenas em matas incultas e secas
que perdem folhas
se coçam até sangrar
albergam insetos se ferrões
loba triste conversa com os mortos
se olha em seus espelhos
desaparece
(De Loba triste, 20000
FOME
Fome
de ovelha africana
fome que rói os vasos de argila
vazios
somente pó
forragem de ácaros e grilos
comer o que se mova
formigas
vermes secos por exemplo
moscas voando ao redor dos narizes salgados
das crianças
gazelas frágeis devorando mamilos ressecados
onde está a água?
as árvores da castanheira e do baobá?
nem sombra nem nuvem
morre seco o rio Niger
morrem de espanto as mulheres tísicas
os homens em suas abóbodas
esperam a luz de boca para o céu;
PANTEÃO LAVADO
Tormenta tropical
a água e seus haréns
como tremem de pânico!
como se agitam renegados!
ninguém salva suas peles ou seus trapos
os que correm tropeçam em látego de fogo
arrastam-se musas e sereias
raptam os símios
a tempestade tropical não é metáfora do caos
no barulho tudo tem seu lugar
tudo se instala
se fixa
se ordena
abrem-se as comportas
a floresta é panteão lavado
as mulheres reclamam abandono
não dormem elas
na vigília
café
orações
bolachas de mandioca
levam a roupa e os pés de lodo
a roupa e o torso desnudo
falam com acento parece
ninguém entende seus gemidos
os corpos jazem em oleagem carnívora
a tormenta tropical não é o caos
limpa seletiva
deixa que grasnem os pavões
voa com os que podem
se o ar se permite
se presta o vento
GAÚCHA
Gaúcha quer dizer órfã
ou sem filhos o que dá no mesmo
chicote nas éguas sem amansar
mulher que foge das confrarias
se limpa dos imãs
caminha descalça sobre os cardos
sangram seus pés porém não seu desejo
tem um jardim adormecido debaixo da pele
é égua ou mulher nunca redomada
veste apetite e sede
em outras línguas
gaúcha é um rio enorme
sela o infinito
A memória é
o último tato
o primeiro tato
o primeiro beijo
o monte intacto
o sol que sai por partes
o estupor dos papagaios
sem ramos pra pendurar-se
e um vértice de pássaro
que não é pomba
é hoatzin com crista e tudo
plumiparada plumirubra
que que silva desde o tórax clavicórdio
a memória é
o cortejo dos albatrozes
com orquestra de bicos e dança de ventres
ou o corpo diverso do peixe-boi
é uma história de mandioca e milho
o conto de meus olhos japoneses
a boca duplamente larga
para beijar
te beijar
os pômulos simétricos
tuas palmas
duplamente boca
duplamente amor que não volta
desmemória
(De Loba triste, 2000)
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Página publicada em março de 2025.
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